O novo art. 311 do CPP revogou o art. 20 da Lei Maria da Penha, não admitindo a decretação da prisão preventiva de ofício

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 160246 – MG (2022/0037991-9)
DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus, com pedido liminar, de J F B contra o acórdão proferido pela Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, nos autos do HC n. 1.0000.21.258008-8/000, denegou a ordem, mantendo-o preso preventivamente pela suposta prática da conduta descrita no art. 129, § 9º, do Código Penal (Processo n. 0114867-96.2021.8.13.0433, Juízo de Direito da Vara de Violência Doméstica contra as Mulheres e do Tribunal do Júri de Montes Claros/MG).
O recorrente alega, em síntese, que a Defesa e o Ministério Público postularam pela sua soltura, mas o Juízo de piso decretou sua prisão, e o Tribunal, em sede de habeas corpus, a manteve, ao fundamento de que o art. 20 da Lei n. 11.340/2006 não fora revogado pela nova redação trazida pela Lei 13.964/2019 ao art. 311 do Código de Processo Penal.
Sustenta que a jurisprudência não admite mais a decretação da prisão preventiva de ofício.
Afirma que não foram comprovados os requisitos para a decretação da cautelar.
Pede, em caráter liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva (fls. 206/219).
É o relatório.
O presente recurso objetiva afastar a prisão preventiva, haja vista a revogação do art. 20 da Lei n. 11.340/2006 pela Lei n. 13.964/2019, que deu nova redação ao art. 311 do Código de Processo Penal.
Entendo assistir razão ao recorrente.
Com efeito, tais inovações devem ser interpretadas privilegiando o regime do sistema processual penal vigente em nosso país. Ou seja, com a entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais admissível essa conversão de ofício, porque as alterações do Pacote Anticrime denotam “a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório”, vontade essa explicitada, por exemplo, ao alterar o art. 311 do CPP – suprimindo a expressão “de ofício” ao tratar da possibilidade de decretação da prisão pelo magistrado -, e ao incluir o art. 3ª-A no CPP, dispondo que o Processo Penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória pelo órgão de acusação (AgRg no HC n. 622.523/RJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 23/11/2020 – grifo nosso).
Sendo assim, de rigor o reconhecimento da ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva do acusado (AgRg no AgRg no RHC n. 131.667/MT, Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF/1ª Região), Sexta Turma, DJe 30/4/2021).
No caso, há notória divergência na disciplina do tema entre os dispositivos supra mencionados, art. 20 da Lei n. 11.340/2006 e 311 do Código de Processo Penal, com redação da Lei n. 13.964/2019.
É um aparente conflito de leis: o Código de Processo Penal, geral, mais recente, frente à Lei Maria da Penha, específica, mais antiga.
O § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direto Brasileiro estabelece que a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
O chamado pacote anticrime fez um movimento de aproximação do processo penal brasileiro ao modelo acusatório, distanciando o juiz da condução do processo, primando pela sua imparcialidade. Assim, vedou a atuação de ofício na imposição de cautelares, como a prisão preventiva, vedando a sua decretação de ofício.
A meu sentir, o novo art. 311 do Código de Processo Penal revogou o art. 20 da Lei Maria da Penha, não admitindo a decretação da prisão preventiva de ofício.
No caso, o Ministério Público estadual pugnou pela concessão da liberdade provisória (fl. 124), não deixando margem para que o Juízo decidisse de modo diverso, impondo a prisão.
Ante o exposto, defiro a liminar para permitir que o paciente aguarde em liberdade o julgamento do presente recurso, salvo se por outro motivo estiver preso e ressalvada a possibilidade de haver decretação de prisão, caso se apresente motivo concreto para tanto.
Comunique-s e.
Solicitem-se informações ao Juízo de primeiro grau sobre o andamento da ação penal, a serem prestadas, preferencialmente, pela Central do Processo Eletrônico – CPE do STJ.
Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal para parecer.
Publique-se.
Brasília, 15 de fevereiro de 2022.
Ministro Sebastião Reis Júnior Relator

(Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, 17/02/2022)

STF. Fevereiro de 2022.

Publicado por Factótum Cultural

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