por Neemias Moretti Prudente

Introdução
A investigação defensiva tem se consolidado como uma importante ferramenta no sistema de justiça penal, principalmente em crimes complexos como os crimes sexuais, onde frequentemente a palavra da vítima é o principal elemento de prova.
Esse tipo de investigação permite que a defesa conduza diligências próprias e colete provas que possam favorecer o acusado, proporcionando um equilíbrio no processo penal. No entanto, a investigação defensiva enfrenta uma série de barreiras em diversos países, especialmente pela falta de poder coercitivo, diferentemente do Ministério Público e da polícia.
Este artigo discute os principais desafios da investigação defensiva no Brasil, estratégias que podem ser adotadas para superá-los e também faz uma comparação de como essa prática funciona em outras jurisdições, como nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália.
O que é a Investigação Defensiva?
A investigação defensiva é o conjunto de atividades investigatórias realizadas pela defesa, independentemente da atuação do Ministério Público ou da Polícia, com o objetivo de obter provas que favoreçam o acusado ou esclareçam a verdade dos fatos. Ela inclui a realização de entrevistas com testemunhas, a coleta de documentos, a solicitação de perícias independentes e a busca por contraprovas que possam questionar a versão apresentada pela acusação.
Nos crimes sexuais, onde muitas vezes há apenas a palavra da vítima contra a do acusado, a investigação defensiva se torna uma ferramenta essencial para evitar condenações injustas e garantir o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa.
No Brasil, a Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB regulamentou a prática da investigação defensiva, autorizando advogados a realizarem diligências para coletar provas que podem ser apresentadas no processo judicial.
Desafios da Investigação Defensiva
Apesar de ser um recurso valioso, a investigação defensiva enfrenta vários desafios, principalmente devido à ausência de poder coercitivo. Diferentemente da polícia e do Ministério Público, que podem intimar testemunhas e realizar buscas e apreensões, a defesa depende da colaboração voluntária de terceiros. A seguir, discutimos as principais barreiras enfrentadas pela defesa ao conduzir uma investigação própria.
1. Ausência de Poder Coercitivo
No Brasil, a defesa não tem o poder de obrigar testemunhas a prestar depoimentos ou fornecer documentos, por exemplo. Isso significa que qualquer tentativa de entrevistar uma testemunha ou obter informações de órgãos/instituições depende da boa vontade de terceiros.
2. A Palavra da Vítima como Prova Preponderante
Em muitos casos de crimes sexuais, como estupro ou abuso de menores, há pouca ou nenhuma prova material. A palavra da vítima frequentemente é suficiente para a condenação, o que pode levar a acusações baseadas em falsas memórias ou percepções distorcidas.
3. Recusa em Prestar Depoimentos
Um dos maiores obstáculos para a defesa é a recusa de testemunhas em cooperar. A defesa não pode intimar formalmente uma pessoa a depor como a polícia faz, o que torna difícil obter depoimentos cruciais. Essa recusa pode ser ainda mais comum em crimes sexuais, onde a percepção pública de culpa do acusado é forte, e testemunhas podem temer prejudicar a vítima ou serem vistas como coniventes com o crime (e sofrerem represálias).
4. Dificuldade de Acesso a Provas
A defesa muitas vezes enfrenta dificuldades para acessar provas que estão sob controle da polícia ou do Ministério Público. Registros médicos, dados eletrônicos e laudos periciais podem ser negados à defesa, ou seu acesso pode ser dificultado por questões burocráticas. Mesmo quando a defesa tem conhecimento da existência de provas favoráveis, ela precisa de autorização judicial para obtê-las, o que nem sempre é garantido.
5. Estigma e Preconceito Social
A investigação defensiva em crimes sexuais enfrenta outro obstáculo significativo: o estigma social. A sociedade tende a julgar os advogados de defesa que questionam a versão da vítima, vendo-os como cúmplices do acusado. Isso cria um ambiente de desconfiança e resistência, dificultando o trabalho da defesa, especialmente ao tentar obter depoimentos de testemunhas ou provar a inocência de seu cliente.
6. Limitações Financeiras
A investigação defensiva pode exigir recursos financeiros significativos, como a contratação de peritos, investigadores privados e consultores técnicos. Muitos acusados, especialmente em processos penais, não têm condições financeiras para arcar com esses custos, limitando a capacidade da defesa de realizar uma investigação completa. Essa limitação coloca a defesa em desvantagem em comparação com o Estado, que tem acesso a uma infraestrutura robusta de investigação.
7. Prazo Curto para Reagir
A defesa geralmente tem um tempo limitado para conduzir sua própria investigação, já que só passa a atuar no caso após a denúncia. Os prazos processuais são curtos, e a defesa precisa reagir rapidamente para contestar as provas apresentadas pela acusação. Em crimes sexuais, onde as provas materiais são escassas e a palavra da vítima é central, o tempo para levantar novas provas e realizar perícias é um desafio constante.
Estratégias para Superar as Barreiras
Apesar dos desafios, existem várias estratégias que a defesa pode adotar para superar as barreiras da investigação defensiva e garantir que o acusado tenha uma defesa eficaz e justa. A seguir, estão algumas das principais estratégias que podem ser adotadas pela defesa:
- Entrevista de Testemunhas: A investigação defensiva permite à defesa entrevistar pessoas que possam fornecer informações relevantes para o caso. Todavia, a defesa só pode realizar entrevistas de forma informal, com testeumunhas que estejam dispostas a colaborar voluntariamente. Por isso, uma abordagem ética e respeitosa é essencial para aumentar a disposição de testemunhas em colaborar. Em crimes sexuais, é fundamental ouvir testemunhas que possam atestar o comportamento da vítima e do acusado, tanto antes quanto depois do suposto crime. Testemunhas podem ajudar a estabelecer se há inconsistências no depoimento da vítima ou trazer à tona elementos que passaram despercebidos durante a investigação policial.
- Análise de Provas Materiais: Em casos onde existem provas materiais, como vestígios biológicos (sêmen, fluidos corporais), exames de corpo de delito, ou registros de conversas por aplicativos de mensagens, a defesa pode contratar peritos independentes para realizar uma análise técnica. Essa análise pode identificar falhas na coleta de provas ou questionar a validade de certos elementos apresentados pela acusação.
- Reconstrução da Cena do Crime: A defesa pode conduzir uma reconstrução dos fatos, verificando se o cenário descrito pela vítima condiz com a realidade dos fatos. A análise de locais, horários e circunstâncias pode revelar inconsistências ou impossibilidades no relato da vítima. Em muitos casos, a verificação da versão da vítima com dados objetivos, como câmeras de segurança, localização por GPS ou registros eletrônicos, pode ser determinante para esclarecer o que realmente aconteceu.
- Exames Psicológicos e Psiquiátricos: Em crimes sexuais, especialmente em casos envolvendo crianças ou adolescentes, a investigação defensiva pode solicitar perícias psicológicas e psiquiátricas da vítima e do acusado, para verificar a credibilidade dos depoimentos. Em algumas situações, falsas memórias, indução ou traumas anteriores podem influenciar o relato da vítima, e o exame de profissionais especializados pode ajudar a identificar essas situações.
- Documentação de Interações Anteriores: Se houver qualquer tipo de interação prévia entre a vítima e o acusado, como conversas por mensagens, e-mails, redes sociais ou outros meios, é importante que a defesa reúna esses documentos. Isso pode demonstrar o contexto da relação entre as partes, descontruir versões apresentadas pela acusação ou lançar luz sobre a natureza consensual de certas interações.
- Contratação de Peritos: A contratação de peritos independentes em áreas como psicologia, criminalística e medicina legal pode fornecer uma análise técnica alternativa e imparcial das provas e dos fatos. A defesa pode solicitar exames complementares, como perícias de DNA, reconstituições, ou até análise de padrões comportamentais, para reforçar sua tese ou questionar as provas apresentadas pela acusação.
Comparação com Outros Países
A investigação defensiva é uma prática que existe em diversas jurisdições ao redor do mundo, mas seu alcance e poder variam significativamente entre os países. A seguir, comparamos como funciona a investigação defensiva em alguns países com sistemas jurídicos diferentes.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, a investigação defensiva é uma prática consolidada e amplamente utilizada. Os advogados de defesa têm o poder de contratar investigadores privados e realizar investigações paralelas àquelas conduzidas pela polícia. O sistema de discovery garante que a defesa tenha acesso a todas as provas reunidas pela acusação, e a defesa pode contratar peritos para contestar essas provas. No entanto, a defesa também não tem poder coercitivo e depende da cooperação voluntária de testemunhas.
Reino Unido
No Reino Unido, a defesa também tem o direito de conduzir investigações próprias, embora os poderes investigativos sejam mais limitados em comparação com os EUA. A defesa pode contratar investigadores privados e solicitar a presença de testemunhas no tribunal. A acusação é obrigada a divulgar todas as provas, incluindo as que possam favorecer o réu, sob a regra de disclosure.
França
Na França, o sistema jurídico é mais inquisitorial, e o juiz de instrução tem um papel central na condução das investigações. A defesa pode solicitar diligências ao juiz e contratar peritos independentes para contestar provas, mas não tem a mesma autonomia que nos sistemas adversariais. A defesa depende da investigação oficial conduzida pelo juiz e pelo Ministério Público.
Alemanha
Na Alemanha, a defesa tem poder limitado para conduzir investigações independentes. A maior parte da investigação é conduzida pelo Ministério Público, e a defesa pode contestar as provas apresentadas. A defesa tem o direito de contratar peritos e acessar as provas reunidas pela acusação, mas também depende da cooperação voluntária de testemunhas.
Itália
Na Itália, a investigação defensiva foi formalmente reconhecida pela Lei nº 397/2000. A defesa tem o direito de conduzir suas próprias investigações, entrevistar testemunhas e solicitar perícias independentes. Embora a defesa ainda dependa de autorizações judiciais para obter algumas provas, o sistema italiano oferece mais autonomia para a defesa realizar diligências próprias.
Conclusão
A investigação defensiva é um recurso indispensável para garantir o direito de defesa, especialmente em casos de crimes sexuais, onde a prova material é escassa e a palavra da vítima tem grande peso. Apesar das barreiras impostas pela ausência de poder coercitivo e pelas limitações financeiras, a defesa pode adotar estratégias inteligentes para superar esses obstáculos e garantir que todas as possibilidades de prova sejam exploradas.
Ao comparar a investigação defensiva em diferentes países, fica claro que, embora existam limitações em cada sistema, a defesa desempenha um papel essencial na busca pela verdade e no equilíbrio do processo penal. A investigação defensiva, seja no Brasil ou em qualquer outro país, continua a ser uma ferramenta crucial para a promoção de um julgamento justo e imparcial.
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Referências:
- BRASÍLIA. Provimento nº 188, de 11 de dezembro de 2018. Regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Diário Eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, DF, ano 1, n.º 1, p. 4-6, 31 de dezembro de 2018. Disponível em: <https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018>. Acesso em: 21 de outubro de 2024.
- BRASIL. Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 21 de outubro de 2024.
- PRUDENTE, Neemias Moretti. Introdução aos Fundamentos dos Crimes Sexuais: Teoria e Prática. Maringá: Factótum Cultural, 2024.
- SILVA, Franklyn Roger Alves. Investigação Criminal Direta pela Defesa. 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2024.
- TALON, Elvis. Investigação Criminal Defensiva. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021.

Neemias Moretti Prudente, Advogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Professor e Escritor.