por Neemias Moretti Prudente

Quando o corpo vira campo de batalha, é no direito e na escuta que a dignidade precisa renascer
Quando se fala em guerra, o imaginário coletivo evoca tiros, bombas, tanques. Mas há um outro campo de batalha, tão silencioso quanto devastador: os corpos violentados, as sexualidades invadidas, as identidades destruídas.
A violência sexual em conflitos armados não é “efeito colateral”. É uma arma de guerra estratégica, cruel e calculada — usada para dominar, punir, humilhar e desestruturar sociedades inteiras.
Estupro Como Arma de Guerra: Uma Estratégia Milenar
Desde a Antiguidade, exércitos invasores saqueiam, matam… e estupram. A prática é antiga, mas só recentemente passou a ser reconhecida juridicamente como crime de guerra e crime contra a humanidade.
Esses crimes não são cometidos por “soldados descontrolados”. Muitas vezes são ordenados, incentivados ou tolerados pelas autoridades militares como forma de:
- Aterrorizar populações e forçar o êxodo;
- Punir o inimigo, violando o que ele tem de mais íntimo;
- Eliminar linhagens, por meio de gravidez forçada e “limpeza étnica”;
- Desestabilizar culturas, especialmente as que associam honra à virgindade ou à pureza da mulher.
Mas Não São Só Mulheres: O Silêncio das Outras Vítimas
Embora a maioria das vítimas identificadas em guerras sejam mulheres e meninas, homens, meninos e pessoas LGBTQIA+ também são violentadas sexualmente — e quase sempre silenciadas.
Crianças
- São alvos fáceis em guerras civis, conflitos tribais e invasões armadas.
- Sofrem estupros, escravização sexual, mutilação genital e uso como “esposas de guerra”.
- Muitas vezes são recrutadas como soldados e estupradas repetidamente.
Homens
- Sofrem estupro anal, emasculação, forçamento de atos sexuais entre si, tudo como forma de humilhação e destruição da identidade masculina.
- Em algumas culturas, ser vítima de estupro é mais estigmatizante do que a morte.
- O trauma é ampliado pelo silêncio social, jurídico e até médico.
Pessoas LGBTQIA+
- São perseguidas e torturadas em regimes autoritários, guerras religiosas ou conflitos étnicos.
- A violência sexual contra elas costuma ser associada à “correção moral” ou à extinção da identidade “indesejada”.
Casos Históricos e Atualidade
- Bósnia (1992-1995): Mulheres muçulmanas estupradas em massa. Homens também foram violentados em prisões.
- Ruanda (1994): Estupros em larga escala, muitos resultando em contaminação por HIV.
- Síria, Congo, Sudão, Ucrânia: Diversos relatos de estupros de homens, mulheres e crianças por soldados e milícias.
- Colômbia: Guerrilhas e paramilitares cometeram estupros sistemáticos durante décadas.
- Brasil (território indígena Yanomami, prisões, comunidades militarizadas): relatos que, embora não em cenário de guerra formal, refletem dinâmicas de ocupação violenta semelhantes.
A Lógica da Violência Sexual em Guerras
Por que esses crimes ocorrem?
- Dominação Total – O estupro é o ato simbólico de controle absoluto.
- Desumanização – O inimigo vira objeto, e seu corpo um troféu ou alvo.
- Desestruturação Social – Ao destruir o corpo da vítima, destrói-se a família, a comunidade, a identidade coletiva.
- Permissividade Estatal ou Militar – Em guerra, há colapso da ética, do direito e da empatia. A impunidade se instala.
- Patriarcado Armado – A guerra é o ápice da masculinidade tóxica institucionalizada. Masculinidade, honra e força confundem-se com brutalidade e posse.
O Direito Internacional e a Luta por Reconhecimento
- Estatuto de Roma (2002): reconhece estupro, escravidão sexual, gravidez forçada e mutilações como crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
- Tribunais internacionais puniram líderes em Ruanda, Bósnia e Congo.
- Mas ainda há subnotificação, silêncio institucional e ausência de políticas de reparação adequadas, sobretudo para homens e pessoas LGBTQIA+.
E No Brasil?
Vivemos uma guerra não declarada. Militarização de territórios, violência policial, racismo estrutural, sistema prisional brutalizado. Aqui também há violência sexual institucional:
- Estupros nas prisões (muitas vezes entre homens, usados como castigo ou dominação);
- Violência sexual contra adolescentes em abrigos e internações;
- Estupro de mulheres em territórios ocupados (como indígenas ou favelas).
Advocacia Criminal: Escutar, Proteger e Denunciar
Na Prudente Advocacia Criminal, compreendemos que o papel da advocacia vai além da técnica: ele envolve escuta empática, atuação firme e compromisso com os direitos humanos.
Nosso trabalho, frente a crimes sexuais, exige:
- Conhecimento técnico e sensibilidade humana;
- Respeito ao sigilo, à dor e à subjetividade da vítima;
- Combate às estruturas que normalizam a violência e silenciam quem sofre.
Conclusão: O Corpo Não É Campo de Batalha
Seja em guerras armadas, em prisões, nas ruas ou nas casas, o corpo é o primeiro território que precisa ser respeitado.
A justiça começa quando reconhecemos o que por muito tempo foi invisível.
Quando escutamos o que foi silenciado.
E quando atuamos para transformar dor em dignidade.
O corpo não é trincheira. O corpo é morada. E merece proteção.
Essa reflexão se conecta aos artigos “O sangue que me trouxe até aqui: uma homenagem aos povos originários”, sobre a violência sexual contra povos originários, e “O Estupro de homens: a outra face da violência sexual no Brasil”, que denuncia a face silenciada da violência sexual masculina no Brasil. Juntos, reafirmam nosso compromisso com uma advocacia que escuta, acolhe e transforma.
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Se você estiver enfrentando uma situação semelhante ou deseja saber mais sobre o tema, consulte um advogado especializado para entender melhor seus direitos e obrigações.
O Escritório Prudente Advocacia está pronto para te ajudar. Entre em contato conosco pelo telefone (WhatsApp): (44) – 99712-5932 ou pelo E-mail: contato@prudentecriminal.adv.br.

Neemias Moretti Prudente, Advogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Escritor, Terapeuta e Professor. Bibliófilo e Cinéfilo. Colunista: Escrever para Não Enlouquecer