por Neemias Moretti Prudente

Introdução
A confiabilidade do testemunho de uma vítima é um dos elementos centrais em investigações criminais, especialmente em casos sensíveis como os de crimes sexuais. No entanto, em alguns contextos, as memórias das vítimas ou testemunhas podem ser distorcidas, levando ao que chamamos de “falsas memórias”. Este estudo tem sido amplamente treinado em psicologia e pode representar um verdadeiro desafio para o sistema judicial, onde a busca pela verdade exige cautela extrema.
Neste artigo, vamos explorar o conceito de memórias falsas, como elas podem influenciar casos de crimes sexuais, e o papel do advogado criminalista na defesa em situações que envolvem esse tipo de perda de memória.
O Que São Falsas Memórias?
Memórias falsas são registros de eventos que uma pessoa acredita sinceramente serem verdadeiros, mas que na realidade nunca aconteceram. Elas podem surgir de diversas maneiras, como através de sugestões, questionamentos repetitivos, emocionais ou até mesmo durante processos terapêuticos. Embora a pessoa acredite que a memória é autêntica, trata-se de uma construção mental que não corresponde a um acontecimento real. No contexto dos crimes sexuais, as memórias falsas podem surgir inadvertidamente, especialmente em casos envolvendo crianças ou vítimas altamente vulneráveis.
Como Falsas Memórias se Formam?
As memórias falsas podem ser criadas de forma sutil e gradual, principalmente quando há repetição de perguntas ou quando uma pessoa em questão é incentivada a relembrar certos eventos de maneira intensa e emocionalmente benéfica. Essas características são exacerbadas em crianças, que possuem uma imaginação ativa e ainda estão desenvolvendo a habilidade de distinguir fantasia e realidade. Nas investigações de crimes sexuais, é comum que as vítimas, especialmente as primeiras crianças, sejam submetidas a entrevistas sucessivas com pais, professores, assistentes sociais, psicólogos, policiais e advogados, aumentando o risco de influências externas.
Fatores que destacam para a formação de falsas memórias incluem:
- Sugestão por figuras de autoridade : Quando um adulto, como um investigador ou familiar, questiona uma criança repetidas vezes sobre determinado evento, ela pode, involuntariamente, construir uma narrativa imaginária.
- Pressões emocionais : Em casos de disputa de guarda ou conflitos familiares, a pressão emocional pode influenciar a criação de memórias falsas, seja por desespero, vingança ou desejo de agradar uma figura parental.
- Ambiente terapêutico ou investigativo inadequado : Processos terapêuticos não especializados ou abordagens investigativas inapropriadas podem ser influenciadas, de forma indireta, levando a vítima a criar uma memória distorcida.
Falsas Memórias em Crimes Sexuais
Nos casos de crimes sexuais, o risco de memórias falsas torna-se particularmente relevante, uma vez que, muitas vezes, não há testemunhas oculares ou provas físicas claras, e o julgamento recai, em grande parte, sobre o relato da vítima. Quando esse relato é contaminado por memórias falsas, o resultado pode ser desastroso tanto para a acusação quanto para a defesa.
Efeitos de Falsas Memórias em Crianças e Adolescentes
As crianças, especialmente os mais jovens, têm uma capacidade limitada de discernir entre o que é real e o que é fantasia. Em casos de suspeita de abuso, elas podem ser questionadas várias vezes, ou que levem a internalizar certas ideias ou histórias, acreditando que realmente as vivenciaram. Um exemplo clássico ocorre quando uma criança é exposta a frases como “O tio fez algo que te incomodou?”, mesmo que de forma não intencional. Esse tipo de pergunta sugestionável pode facilmente criar uma narrativa falsa.
Falsas Memórias em Adultos
Em alguns casos, os adultos também podem desenvolver memórias falsas, especialmente quando passam por terapias que incentivam a “recuperação de memórias reprimidas”. Embora a intenção dos terapeutas seja positiva, o processo pode induzir o paciente a criar memórias fictícias de abuso. Esse fenômeno se intensifica em terapias que utilizam hipnose ou visualizações, técnicas que podem levar o paciente a criar memórias de eventos que nunca ocorreram.
Consequências das Falsas Memórias para o Sistema Judicial
Para o advogado criminalista, lidar com um caso de crime sexual onde há acusações de memória falsa é um desafio. Uma denúncia pode ter sido feita com total sinceridade pela vítima, que acredita genuinamente em sua lembrança, ou que se torna manifesta ao tribunal que, embora a difícil vítima esteja convencida, o evento pode não ter ocorrido.
Algumas das principais consequências incluem:
- Injustiça para o acusado : Nos casos em que a memória falsa leva a uma reportagem injusta, a vida do acusado é devastada, com impactos emocionais, familiares e profissionais irreparáveis.
- Impacto na substituição das verdadeiras vítimas: Processos envolvendo memórias falsas podem descredibilizar vítimas reais de abuso, especialmente se a mídia trata o caso de forma sensacionalista.
- Distorção do processo investigativo : Quando um relato de memória falsa é aceito sem a devida investigação, o processo judicial torna-se distorcido, desviando-se da busca pela verdade.
O Papel do Advogado Criminalista em Casos de Falsas Memórias
Como advogado criminalista, há estratégias que podem ser usadas para questionar a veracidade de uma possível memória falsa, sempre de forma ética e respeitosa. Algumas abordagens incluem:
- Solicitar uma avaliação psicológica especializada: Em casos onde há suspeita de memória falsa, uma avaliação conduzida por psicólogos forenses pode ajudar a identificar sinais de sugestão ou influência externa.
- Análise da consistência do depoimento: Memórias falsas frequentemente apresentam inconsistências, especialmente quando uma vítima é solicitada a repetir o relato em contextos diferentes. Uma narrativa fragmentada ou que muda significativamente ao longo do tempo pode ser um indicativo de memória não autêntica.
- Exigir registros de entrevistas anteriores: A forma como a vítima foi questionada, principalmente na idade infantil, pode revelar influências que ajudaram a construir uma memória falsa. Solicitar esses registros pode ajudar a identificar possíveis falhas no processo investigativo.
- Consultores especialistas em memória e desenvolvimento infantil: Especialistas podem contribuir com uma avaliação técnica sobre o tipo de memória que uma criança na idade da vítima é capaz de formar, ajudando a ser eficiente se a narrativa é consistente com a capacidade cognitiva da criança.
Conclusão: Equilíbrio entre Proteção e Justiça
Lidar com o tema das memórias falsas exige um equilíbrio delicado. Por um lado, é fundamental proteger as vítimas e o cultivo que denunciem abusos. Por outro lado, é necessário garantir que os acusados tenham um julgamento justo e que não sejam condenados com base em relatos potencialmente distorcidos ou implantados.
O advogado criminalista tem um papel essencial na busca pela justiça nesses casos, questionando de maneira ética e técnica a prova e a qualidade do relato da vítima, sempre respeitando a dignidade de todas as partes envolvidas. É através dessa abordagem equilibrada que podemos evitar que memórias falsas prejudiquem o sistema de justiça, garantindo que tanto as vítimas quanto os acusados recebam tratamento justo.
Se você estiver enfrentando uma situação semelhante ou deseja saber mais sobre o tema, consulte um advogado especializado para entender melhor seus direitos e obrigações.
O Escritório Prudente Advocacia está pronto para te ajudar. Entre em contato conosco pelo telefone (WhatsApp): (44) – 99712-5932 ou pelo E-mail: contato@prudentecriminal.adv.br.
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Referências:
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal: A Prova Testemunhal em Cheque. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
GESU, Cristina Carla di. Prova Penal e Falsas Memórias. 2. ed. rev., ampl. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2024.
PRUDENTE, Neemias Moretti. Introdução aos Fundamentos dos Crimes Sexuais: Teoria e Prática. Maringá: Factótum Cultural, 2024.

Neemias Moretti Prudente, Advogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Professor e Escritor.