Resolução CNJ nº 299/2019: Diretrizes para o Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes (com modelo de petição)

A Resolução CNJ nº 299/2019 representa um avanço decisivo na forma como o sistema de justiça brasileiro lida com os depoimentos de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, em especial nos casos de violência sexual. Publicada pelo Conselho Nacional de Justiça, essa normativa regulamenta e padroniza, em âmbito nacional, os procedimentos de escuta especializada e depoimento especial, com o objetivo de garantir a proteção integral da infância e juventude, conforme previsto na Lei nº 13.431/2017 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Com ênfase na prevenção da revitimização, na capacitação profissional e no acolhimento humanizado, a Resolução estrutura um modelo de atuação interinstitucional e técnica, promovendo um equilíbrio entre a proteção da vítima e o respeito ao contraditório e à ampla defesa.

Escuta Especializada e Depoimento Especial: Diferenças e Objetivos

A Resolução, considerando a Lei nº 13.431/2017, diferencia dois procedimentos fundamentais:

  • Escuta Especializada: realizada por profissionais da rede de proteção (como psicólogos, assistentes sociais e conselheiros tutelares) em ambientes não judiciais, como delegacias, unidades de saúde ou CRAS/CREAS. Serve para acolher o relato da criança ou adolescente, oferecer apoio e definir encaminhamentos, sem caráter probatório direto.
  • Depoimento Especial: realizado em ambiente judicial, em sala especial e protegida, com condução feita por profissional capacitado. As partes — juiz, promotor, defensor e advogado — acompanham remotamente, com possibilidade de encaminhar perguntas ao entrevistador. Todo o conteúdo é gravado em áudio e vídeo, servindo como prova única, de modo a evitar repetição e exposição desnecessária.

Ambos os procedimentos são centrados no melhor interesse da criança, com atenção ao seu estágio de desenvolvimento, sua linguagem e condição emocional.

Diretrizes Fundamentais da Resolução CNJ nº 299/2019

A norma estabelece princípios e critérios rigorosos para assegurar que o depoimento de crianças e adolescentes ocorra com segurança, ética e proteção:

  • Ambientes acolhedores e específicos, com mobiliário, decoração e isolamento acústico adequados;
  • Profissionais capacitados para escuta ativa, com treinamento contínuo e específico para atuação com menores;
  • Gravação obrigatória do depoimento especial, para preservar a prova e evitar múltiplas oitivas;
  • Vedação de contato direto com o acusado, salvo em situações excepcionais autorizadas judicialmente;
  • Respeito ao tempo psíquico da criança, à sua espontaneidade e à linguagem infantil;
  • Registro de perguntas, respostas e reações não verbais, promovendo transparência e integridade da prova.

Tratamento Específico para Povos e Comunidades Tradicionais

A resolução estabelece atenção específica ao depoimento de crianças e adolescentes pertencentes a povos indígenas, quilombolas ou comunidades tradicionais. Nesses casos, devem ser respeitados os aspectos culturais, linguísticos e comunitários próprios da criança ou adolescente, inclusive com a presença de intérpretes ou representantes comunitários, sempre que necessário.

Esse cuidado visa evitar não apenas a revitimização, mas também a distorção cultural do depoimento, reconhecendo que o sofrimento e o relato da violência também passam por códigos simbólicos e estruturas sociais distintas da lógica ocidental.

Papel do Advogado Criminalista

A atuação do advogado criminalista diante da Resolução exige técnica, respeito e vigilância:

  • Respeitar a condução do depoimento especial, que não permite contato direto com a vítima;
  • Requerer acesso à íntegra da gravação e proceder à análise crítica do conteúdo, observando eventuais inconsistências ou induções;
  • Formular perguntas tecnicamente adequadas, que deverão ser encaminhadas ao entrevistador previamente ou durante a audiência;
  • Buscar a atuação de peritos especializados, como psicólogos forenses, quando houver indícios de sugestão, contaminação do relato ou inconsistências de ordem emocional;
  • Impugnar o uso da prova, quando houver vícios procedimentais, ausência de capacitação profissional ou ambientes inadequados.

É sempre importante estar atento à possibilidade de falsas acusações ou falsas memórias, especialmente em contextos de conflitos familiares, alienação parental ou relatos colhidos de forma não técnica — lembrando que a proteção da vítima deve coexistir com a presunção de inocência e o devido processo legal.

Implementação, Monitoramento e Avaliação: Responsabilidades dos Tribunais

A Resolução também impõe obrigações administrativas ao Poder Judiciário, que vão além do procedimento em si:

  • Os tribunais devem monitorar e avaliar periodicamente a implantação da política institucional voltada à escuta de crianças e adolescentes, com coleta de dados, relatórios e diagnósticos;
  • Cada tribunal deve elaborar um plano de ação para implantação, prevendo cronograma, metas e indicadores de resultados;
  • Os tribunais têm o dever de articular com outros órgãos do sistema de justiça e da rede de proteção, fomentando a atuação integrada;
  • Recomenda-se a realização de estudos, pesquisas e capacitações contínuas para acompanhar a eficácia da aplicação da norma.

Esses dispositivos visam assegurar que o depoimento especial não seja apenas uma boa intenção normativa, mas uma realidade institucionalizada, com impacto concreto na garantia dos direitos da infância e da juventude.

Avanços e Desafios

Avanços:

  • Protege emocionalmente a vítima;
  • Qualifica a produção da prova;
  • Reduz riscos de anulação processual por vícios formais;
  • Fomenta uma cultura jurídica mais empática e técnica.

Desafios:

  • Carência de estrutura física e de profissionais capacitados em muitas comarcas;
  • Resistência institucional em setores ainda presos ao modelo inquisitivo;
  • Dificuldades na articulação com as redes de proteção.

Considerações Finais

A Resolução CNJ nº 299/2019 é um instrumento normativo robusto, que não apenas fortalece a proteção de crianças e adolescentes no processo penal, mas também impõe novos padrões de atuação técnica e ética aos profissionais do Direito.

Para o advogado criminalista, compreender e respeitar essa resolução é essencial para atuar com responsabilidade, humanidade e critério jurídico, seja na defesa ou na assistência à acusação. Trata-se de reconhecer que, mesmo em um processo penal, a dignidade humana de todos os envolvidos — inclusive da vítima — deve ser preservada acima de tudo.

Se você estiver enfrentando uma situação semelhante ou deseja saber mais sobre o tema, consulte um advogado especializado para entender melhor seus direitos e obrigações.

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Modelo Prático: Pedido de Realização de Depoimento Especial

Para auxiliar advogados criminalistas que atuam em casos envolvendo vítimas ou testemunhas menores de idade, disponibilizamos abaixo um modelo de petição requerendo a realização do depoimento especial, conforme os parâmetros da Lei nº 13.431/2017 e da Resolução CNJ nº 299/2019.

O documento pode ser adaptado conforme as particularidades do caso concreto, respeitando o rito legal, a idade da vítima e os princípios da ampla defesa e do contraditório.

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Neemias Moretti PrudenteAdvogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Escritor, Criminólogo, Terapeuta e Professor. Bibliófilo e Cinéfilo.

Publicado por Factótum Cultural

Um amante do conhecimento, explorador inquieto e ousado, que compartilha ideias e expande consciências pelo vasto universo.