“Caça às Bruxas” do Século XXI: A Criminalização do Homem no Contexto das Leis de Violência Doméstica

A sociedade brasileira, nas últimas décadas, testemunhou avanços significativos na proteção das mulheres contra a violência doméstica. A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representa um marco histórico nesse sentido, oferecendo um conjunto robusto de medidas para coibir e punir a violência contra a mulher.

No entanto, essa mesma legislação, junto com novas leis que vêm surgindo, suscita um debate crítico: estamos caminhando para um punitivismo exacerbado contra os homens?

A Intensificação das Leis e o Desequilíbrio Punitivo

O crescente rigor das leis voltadas para a proteção das mulheres tem gerado uma percepção de desequilíbrio punitivo. A Lei Maria da Penha trouxe avanços necessários, como medidas protetivas e a criação de varas especializadas. No entanto, nos últimos anos, novas legislações e interpretações mais severas têm surgido, como a Lei do Feminicídio, que tipifica o assassinato de mulheres por razões de gênero, com penas mais rigorosas.

Essa tendência legislativa, embora bem-intencionada, muitas vezes não considera o impacto sobre os homens que são acusados injustamente. Por exemplo, a aplicação de medidas cautelares, como a prisão preventiva, pode ocorrer apenas com base na denúncia da vítima, sem investigação prévia, o que coloca o acusado em uma posição extremamente desfavorável.

Acusações Falsas e o Efeito Desastroso

As acusações falsas são uma realidade que não pode ser ignorada. Embora representem uma minoria dos casos, o impacto dessas acusações sobre a vida dos homens inocentes é devastador. Estudos e reportagens têm mostrado que, em alguns casos, mulheres fazem denúncias infundadas por motivos diversos, como vingança, disputas de guarda de filhos ou questões patrimoniais.

Um exemplo notório foi o caso de um homem que, após ser falsamente acusado de violência doméstica, perdeu seu emprego, enfrentou um processo judicial longo e desgastante e viu sua reputação ser destruída. Mesmo após ser absolvido, o estigma permaneceu, e ele enfrentou dificuldades para reconstruir sua vida.

Esse fenômeno lembra a “caça às bruxas” da Idade Média, onde o acusado era imediatamente estigmatizado e punido, muitas vezes sem provas substanciais.

Falsas Memórias: A Influência da Sugestão

As falsas memórias são outro elemento importante a ser considerado nos casos de violência doméstica. Pesquisas em psicologia têm mostrado que memórias podem ser influenciadas por sugestões externas e que pessoas podem se lembrar de eventos que nunca aconteceram. Isso pode ocorrer de maneira involuntária, através de perguntas sugestivas ou durante processos terapêuticos, onde a pessoa pode, sem intenção, criar uma narrativa falsa baseada em influências externas.

Nos tribunais, isso pode levar a acusações baseadas em memórias distorcidas, complicando ainda mais a busca pela verdade. A conscientização sobre a possibilidade de falsas memórias e a necessidade de métodos rigorosos para a coleta de depoimentos são essenciais para garantir a justiça.

Alienação Parental: O Impacto nas Denúncias

A alienação parental é um fenômeno onde um dos pais manipula a criança para afastá-la do outro progenitor, muitas vezes através de acusações falsas de abuso ou violência. Esse comportamento não só prejudica a relação da criança com o outro pai, mas também pode resultar em acusações injustas que complicam processos judiciais.

Nos casos de violência doméstica, a alienação parental pode ser utilizada como uma tática para obter vantagem em disputas de guarda, criando um cenário onde as acusações são usadas como armas em vez de serem baseadas em fatos reais. A identificação e abordagem da alienação parental nos processos judiciais são cruciais para garantir que a justiça seja feita de maneira imparcial e justa.

A Necessidade de Equilíbrio

A proteção das mulheres é essencial e indiscutível. No entanto, é crucial que o sistema jurídico mantenha um equilíbrio justo, garantindo que os direitos dos acusados também sejam protegidos. Isso inclui a presunção de inocência, o direito a uma defesa adequada e a aplicação de medidas cautelares que não prejudiquem desnecessariamente o acusado.

Por exemplo, em vez de uma prisão preventiva imediata, o sistema poderia adotar medidas menos invasivas inicialmente, como o uso de tornozeleiras eletrônicas ou restrições de contato. Além disso, a formação e sensibilização dos agentes da lei e do judiciário sobre a complexidade desses casos poderiam ajudar a evitar decisões precipitadas e injustas.

Educação, Prevenção e Reformas: Caminhos para a Justiça Equitativa

Educação sobre Direitos e Deveres

Um aspecto crucial para reduzir a violência doméstica e as acusações falsas é a educação ampla e contínua sobre os direitos e deveres de cada indivíduo. Isso inclui não apenas o conhecimento das leis, mas também a compreensão das consequências legais e sociais da violência e das denúncias falsas. Campanhas educativas podem ser implementadas em escolas, universidades e comunidades, enfatizando a importância do respeito mútuo e da comunicação saudável em relações interpessoais.

Programas de Prevenção e Apoio

A implementação de programas de prevenção e apoio pode desempenhar um papel significativo na redução da violência doméstica. Centros de apoio para vítimas e agressores, programas de reabilitação para homens que cometem violência e iniciativas de justiça restaurativa podem ajudar a abordar as raízes do problema. Esses programas podem ser conduzidos por psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais capacitados para lidar com questões de violência doméstica de maneira sensível e eficaz.

Mediação e Resolução de Conflitos

Iniciativas de justiça restaurativa, mediação e resolução de conflitos podem oferecer alternativas às acusações e processos judiciais. Esses programas permitem que as partes envolvidas em um conflito recebam orientação e apoio para resolver suas diferenças de maneira construtiva e pacífica. A mediação pode ajudar a prevenir que desentendimentos e disputas escalem para acusações formais, promovendo um ambiente de diálogo e compreensão.

Incentivo ao Uso de Tecnologia

O uso de tecnologia, como aplicativos de segurança e plataformas de denúncia anônima, pode fornecer ferramentas adicionais para prevenir a violência doméstica e proteger as vítimas. Ao mesmo tempo, a tecnologia pode ser utilizada para garantir que as denúncias sejam feitas de maneira responsável e verificável, reduzindo o risco de acusações falsas. Sistemas de monitoramento e registro podem ajudar a documentar casos de violência, fornecendo provas concretas que podem ser utilizadas em processos judiciais.

Sensibilização e Treinamento para Profissionais

Profissionais que lidam diretamente com casos de violência doméstica, como policiais, advogados, juízes e assistentes sociais, devem receber treinamento adequado para lidar com esses casos de maneira justa e imparcial. A sensibilização sobre a complexidade das dinâmicas de gênero e a importância de uma abordagem equilibrada pode ajudar a garantir que as decisões sejam tomadas com base em evidências e não em preconceitos ou pressões sociais.

Conclusão

O desafio está em encontrar um meio-termo onde a proteção das mulheres não resulte em um punitivismo excessivo contra os homens. A justiça deve ser cega, e isso implica em tratar cada caso com imparcialidade, assegurando que a verdade prevaleça acima de tudo. O futuro das relações de gênero no Brasil depende de um sistema jurídico que seja justo para todos, sem exceções.

A inclusão de programas de educação e prevenção no combate à violência doméstica e às acusações falsas é essencial para criar uma sociedade mais justa e equitativa. Ao promover o conhecimento dos direitos e deveres, oferecer apoio e mediação e utilizar a tecnologia de maneira responsável, podemos reduzir a violência e as injustiças, garantindo que todos os indivíduos sejam tratados com dignidade e respeito. A justiça não deve ser um jogo de soma zero, onde a proteção de um grupo significa a marginalização de outro. Somente através da educação e da prevenção podemos alcançar um equilíbrio verdadeiro e duradouro.

Referências

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Crianças no Labirinto das Acusações: falsas alegações de abuso sexual. Curitiba: Juruá, 2009.

CALÇADA, Andreia Soares. Perdas Irreparáveis: alienação parental e falsas acusações de abuso sexual. 3. ed. Rio de Janeiro: Fólio Digital, 2022.

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha 11.340/2006 – Comendada Artigo por Artigo. 14. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: JusPodivm,2024.

PRUDENTE, Neemias Moretti. Introdução aos Fundamentos da Vitimologia. 2. ed. rev. atual e ampl. Curitiba: CRV, 2020.

__________. Lições (e reflexões) acerca do uso excessivo da prisão preventiva e do fracasso das novas medidas cautelares pessoais. In: KHALED JR., Salah (Coord.). Sistema Penal e Poder Punitivo: estudos em homenagem ao prof. Aury Lopes Jr. Florianópolis: Empório do Direito, 2015. pp. 374-396.

__________. Introdução aos Fundamentos da Justiça Restaurativa. Maringá: Factótum Cultural, 2013.

ROSA, Alexandre Morais da; PRUDENTE, Neemias Moretti (Orgs.). Monitoramento Eletrônico em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

Neemias Moretti Prudente, Advogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Professor e Escritor.

Publicado por Factótum Cultural

Um amante do conhecimento, explorador inquieto e ousado, que compartilha ideias e expande consciências pelo vasto universo.