Sexônia: Quando o Sono Pode se Tornar um Crime Sexual?

Você sabia que é possível praticar atos sexuais dormindo — e nem se lembrar? Parece enredo de série, mas é um distúrbio real. E, mais do que isso: pode ser levado a julgamento. Neste artigo, explicamos o que é a sexônia, suas causas, como ela é tratada nos tribunais e por que os advogados devem prestar atenção nesse fenômeno.

O que é Sexônia?

A sexônia, também conhecida como sonambulismo sexual ou sexsomnia, é um tipo de parassonia do sono não-REM, onde a pessoa executa comportamentos sexuais durante o sono — como masturbação, toques íntimos ou até penetração — sem consciência e, geralmente, sem qualquer lembrança ao acordar.

É parecida com o sonambulismo, mas com foco sexual. O cérebro está em modo de “desligamento crítico”, mas o corpo age por reflexos automáticos.

Causas e fatores de risco

A sexônia geralmente aparece em pessoas com histórico de parassonias ou distúrbios do sono. Entre os fatores de risco estão:

  • Privação de sono
  • Estresse crônico
  • Uso de álcool e drogas
  • Apneia do sono
  • Medicamentos como Zolpidem e clonazepam
  • Histórico familiar de sonambulismo

Diagnóstico e tratamento

É feito por entrevista clínica com especialista do sono, relatos de parceiros, vídeos (quando disponíveis) e, em alguns casos, por polissonografia (estudo do sono). O tratamento inclui:

  • Higiene do sono
  • Redução de estresse
  • Evitar álcool e estimulantes
  • Em alguns casos, medicamentos

Casos famosos no direito comparado

🔹 Canadá – R. v. Parks (analogia com sonambulismo)

Um homem matou os sogros durante um episódio de sonambulismo e foi absolvido. O caso abriu precedentes para considerar comportamentos automáticos como excludentes de culpabilidade.

🔹 Estados Unidos – State v. Scott

Um homem teve relações sexuais com a colega de quarto enquanto dormia. Foi diagnosticado com sexônia, e a justiça o absolveu com base em ausência de consciência voluntária.

🔹 Reino Unido – R. v. Magee (2006)

O acusado manteve relações com a namorada dormindo, sem se lembrar. A defesa provou que era portador de sexônia, com exames e testemunhos. Foi absolvido.

Em comum: os casos envolviam perícia médica, histórico familiar de distúrbios do sono e nenhuma intenção.

E no Brasil? Como a justiça vê a sexsonia?

Não há jurisprudência consolidada no Brasil reconhecendo o tema. No entanto, a sexônia pode afastar a responsabilidade penal por duas vias possíveis:

1. Ausência de dolo ou culpa (tipicidade subjetiva)

Como o agente está dormindo e age sem consciência, não há vontade nem previsibilidade. Isso exclui o dolo e a culpa, elementos exigidos pela tipicidade subjetiva. O ato pode até ter ocorrido (tipicidade objetiva), mas não configura crime.

2. Inimputabilidade temporária (culpabilidade)

Mesmo que se entenda que houve tipicidade, a sexônia pode ser vista como um automatismo involuntário, semelhante a um surto ou sonambulismo. Nesse caso, aplica-se o art. 26 do Código Penal, afastando a culpabilidade por falta de capacidade de entendimento e autodeterminação.

Em ambos os casos, o foco da defesa deve ser a ausência de consciência no momento do ato, com comprovação por laudo psiquiátrico e médico e, se possível, exame do sono (polissonografia).

O uso dessa tese exige muito cuidado: deve ser sustentada com provas sérias, sob risco de ser mal interpretada como estratégia para encobrir abusos reais.

Implicações éticas e jurídicas

A sexônia coloca em choque dois direitos fundamentais:

  • O direito à dignidade e ao corpo da vítima
  • O direito do acusado à ampla defesa e ao reconhecimento de estados de inconsciência

É um território ético delicado. O risco de revitimização da pessoa que sofreu o ato existe. Por outro lado, condenar alguém que não teve consciência do que fez também é um risco grave à justiça penal.

Conclusão

A sexônia é real, complexa e perigosa — tanto para quem sofre com ela quanto para o sistema de justiça que precisa julgá-la. No Brasil, ainda há muito a se discutir, mas o tema já bate à porta da psiquiatria forense e da advocacia criminal.

Como advogados, precisamos estar preparados para lidar com casos assim, com equilíbrio entre técnica, empatia e responsabilidade.


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Neemias Moretti PrudenteAdvogado Criminalista. Mestre e Especialista em Ciências Criminais. Bacharel em Direito e Licenciado em Filosofia. Escritor, Terapeuta e Professor. Bibliófilo e Cinéfilo.

Publicado por Factótum Cultural

Um amante do conhecimento, explorador inquieto e ousado, que compartilha ideias e expande consciências pelo vasto universo.