As Motivações por Trás das Denúncias Falsas: Reflexões sobre a Violência Doméstica e os Crimes Sexuais

Denúncias falsas em violência doméstica e crimes sexuais

Denúncias falsas em casos de violência doméstica e crimes sexuais: entenda as causas, os efeitos no Judiciário e os projetos de lei que buscam punir a má-fé sem enfraquecer a proteção às verdadeiras vítimas.

1. A outra face da proteção

O avanço das políticas de combate à violência doméstica e aos crimes sexuais foi uma conquista civilizatória. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e o endurecimento da legislação penal deram voz e segurança a milhões de vítimas.
Contudo, há um fenômeno silencioso que ameaça a credibilidade dessas conquistas: o aumento das denúncias falsas.

Quando a mentira se disfarça de justiça, ela destrói em duas frentes — destrói o inocente injustamente acusado e destrói a credibilidade da vítima verdadeira.
E o resultado é perverso: o próprio Judiciário, percebendo o uso indevido das medidas, passa a se tornar mais cético, mais frio e menos confiante.
A palavra da vítima, antes símbolo de coragem e credibilidade, vai perdendo força. E quem mais sofre com isso são as mulheres e crianças que realmente precisam ser ouvidas.


2. Por que alguém faria uma denúncia falsa?

As motivações são múltiplas, mas quase sempre nascem de relações adoecidas e emoções extremas.

a) Vingança e ressentimento

O término de uma relação, a rejeição ou a traição podem gerar sentimentos de vingança.
Em alguns casos, o sistema penal é utilizado como instrumento de retaliação.

b) Disputas familiares e guarda de filhos

É comum que acusações de violência ou abuso sexual surjam em meio a processos de separação litigiosa, com o objetivo de enfraquecer o outro genitor.
Há situações de indução de memórias em crianças e manipulação emocional grave.

c) Dependência afetiva ou econômica

Alguns denunciantes não desejam o afastamento do parceiro, mas o controle sobre ele.
A denúncia se torna um mecanismo de poder, e o processo, um palco de dependência e manipulação.

d) Sugestão e contaminação coletiva

Em certos contextos sociais e religiosos, é possível que várias pessoas denunciem simultaneamente o mesmo indivíduo sem provas concretas — apenas por influência, sugestão ou pressão de grupo.


3. O efeito devastador das denúncias falsas

Para o acusado inocente, uma falsa acusação é uma prisão simbólica.
A reputação é destruída, a liberdade é restringida, e a fé na justiça, abalada.
Mesmo após a absolvição, a sombra da dúvida persiste — e não há sentença absolutória capaz de apagar o estigma.

Mas há uma consequência ainda mais grave: o descrédito das vítimas reais.
Com o aumento das denúncias infundadas, o Judiciário passa a exigir provas cada vez mais robustas, reduzindo o peso da palavra da vítima — um retrocesso perigoso num país que ainda luta contra o silenciamento histórico das mulheres.
A mentira, portanto, não apenas fere o inocente, mas enfraquece toda a causa feminina e humanitária que a Lei Maria da Penha representa.


4. A lei já pune as falsas acusações

Embora o debate tenha ganhado força nos últimos anos, o Código Penal já prevê punições para quem acusa falsamente:

  • Art. 339 – Denunciação Caluniosa: pune quem “dá causa à instauração de inquérito policial, processo judicial ou procedimento administrativo contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.”
    📘 Pena: reclusão de 2 a 8 anos e multa.
  • Art. 340 Comunicação falsa de crime ou de contravenção: pune quem “provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado.”
    📘 Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
  • Art. 342 – Falso Testemunho ou Falsa Perícia: aplica-se a quem “faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete.”
    📘 Pena: reclusão de 2 a 4 anos e multa.

Apesar disso, a legislação ainda carece de especificidade para tratar de falsas denúncias em contextos de violência doméstica e crimes sexuais, nos quais a palavra da vítima tem papel central.
É por isso que novos projetos de lei vêm sendo discutidos no Congresso Nacional.


5. Projetos de lei e novos rumos

Em abril de 2025, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) apresentou o PL 5.128/2025, que propõe punição específica para falsas acusações no âmbito da Lei Maria da Penha.
O texto prevê que, ao se constatar “falsidade intencional” na denúncia, o juiz comunique o Ministério Público para apuração de denunciação caluniosa ou comunicação falsa de crime, além de responsabilização civil por danos morais e materiais.

O projeto reconhece que, embora a Lei Maria da Penha tenha sido um marco civilizatório, sua legitimidade pode ser comprometida quando utilizada de forma ilícita.
Esse movimento legislativo reflete uma tendência global: proteger as vítimas reais sem permitir que o sistema seja manipulado por quem age de má-fé.

Outros projetos, como o PL 6.198/2023, seguem a mesma linha — ampliando o debate sobre a necessidade de punir quem falseia denúncias e preservar a credibilidade do sistema penal.


6. O papel do advogado criminalista

Defender um inocente falsamente acusado não é lutar contra as mulheres ou homens, mas a favor da verdade.
O advogado criminalista precisa unir técnica e sensibilidade, reconhecendo o sofrimento real das vítimas, mas combatendo com firmeza o uso indevido da lei.

A atuação ética e estratégica exige:

  • investigação defensiva autônoma;
  • perícias psicológicas e digitais independentes;
  • análise de coerência narrativa;
  • estudo das motivações secundárias e do histórico relacional.

A verdadeira justiça não está em escolher um lado, mas em defender o equilíbrio da balança.


7. Caminhos para restaurar a confiança

Para que a justiça volte a inspirar confiança, é necessário um esforço conjunto.
Campanhas públicas, eventos e políticas de conscientização devem ser criados para denunciar tanto a violência real quanto o abuso das leis de proteção.

É urgente incentivar:

  • Campanhas educativas sobre o impacto das falsas acusações;
  • Eventos jurídicos e sociais que discutam soluções equilibradas;
  • Projetos de lei complementares que punam a má-fé sem amedrontar as verdadeiras vítimas;
  • Parcerias entre instituições e profissionais para aprimorar perícias e investigações.
  • Mutirões de revisão criminal, voltados a reexaminar casos já julgados em que existam indícios de erro judiciário, especialmente quando a condenação se baseou unicamente na palavra da vítima ou em provas frágeis.

A mentira precisa ter consequências — não por vingança, mas para preservar a credibilidade da verdade.


Conclusão

A falsa denúncia é um crime contra a própria justiça.
Ela confunde, descredibiliza e destrói o que há de mais sagrado: a confiança entre o Estado e o cidadão.

Proteger as vítimas é essencial, mas proteger a verdade é o que garante que as vítimas continuem sendo acreditadas.

A Prudente Advocacia Criminal acredita que o combate às falsas acusações fortalece, e não enfraquece, a luta por uma sociedade mais justa.
A mentira tem que ser punida — para que a verdade continue sendo o escudo de quem realmente precisa de amparo.


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Neemias Moretti Prudente

⚖️ Advogado Criminalista.
📍 Mestre e Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia | Membro da Comissão da Advocacia Criminal e da Comissão de Apoio às Vítimas de Crimes da OAB/PR.
📚 Autor de “Introdução aos Fundamentos dos Crimes Sexuais: Teoria e Prática” e “crimessexuais“.

Publicado por Factótum Cultural

Um amante do conhecimento, explorador inquieto e ousado, que compartilha ideias e expande consciências pelo vasto universo.