O Julgamento Contagioso: o Efeito Manada e as Acusações que se Multiplicam

O Efeito Manada

“A Justiça é solitária. A manada, barulhenta. Entre uma e outra, está o advogado.”

1. O Julgamento das Massas

O Direito Penal nasceu para frear o instinto coletivo de vingança.
Sua função é racionalizar o impulso, separar a emoção da prova, conter a fúria e garantir que ninguém seja punido sem o devido processo.

Mas nas últimas décadas — e com as redes sociais amplificando vozes —, a emoção coletiva voltou a ocupar o lugar da razão.
Hoje, o “tribunal da internet” julga antes do juiz, condena antes do processo e destrói reputações em nome de uma justiça imediata.

É o efeito manada em sua forma mais perigosa: quando a opinião pública toma o lugar da Constituição.


2. O que é o Efeito Manada

O efeito manada é um fenômeno psicológico em que o indivíduo abandona o juízo crítico e segue o comportamento do grupo.
Nas redes sociais, isso se manifesta como moral coletiva instantânea: se todos acreditam, compartilham ou se indignam, então deve ser verdade.

No processo penal, esse impulso pode ser fatal.
Basta uma denúncia para que o medo, a empatia ou a raiva coletiva transformem a suspeita em certeza.
E quando a manada decide quem é o culpado, a verdade perde voz.


3. O fenômeno das “denúncias em cascata”

Nos crimes sexuais e violência doméstica, sobretudo aqueles que envolvem crianças, adolescentes ou figuras públicas, há um fenômeno recorrente:
após uma denúncia ganhar visibilidade, outras pessoas passam a relatar situações semelhantes, quase sempre em sequência, e nem sempre com base em fatos verificáveis.

Esse comportamento é multifacetado:

  • Psicologicamente, há a sugestão coletiva: o indivíduo passa a reinterpretar suas lembranças sob a lente da narrativa dominante.
  • Socialmente, há um ganho simbólico: pertencer ao grupo das vítimas pode gerar acolhimento, visibilidade, até status moral.
  • Juridicamente, cria-se o que se chama de “prova de similaridade”, que — mal compreendida — reforça a ideia de “onde há fumaça, há fogo”.

Mas o Direito Penal não trabalha com fumaça, trabalha com prova robusta e individualizada.
O risco é que o processo vire um teatro de confirmações, em que cada nova acusação serve mais para sustentar a narrativa coletiva do que para buscar a verdade material.


4. O Caso Escola Base: o Linchamento que Começou com uma Denúncia

Em 1994, a Escola Base, em São Paulo, foi acusada de abrigar uma rede de abuso infantil.
A denúncia partiu de uma mãe.
Em poucos dias, a polícia, a mídia e a sociedade transformaram o caso em espetáculo.

Sem provas, os donos da escola foram presos, expostos e destruídos.
Quando as investigações provaram a inexistência de crime, já era tarde: a escola fechara, a saúde e a reputação dos inocentes haviam sido aniquiladas.

O caso Escola Base tornou-se um símbolo da morte do devido processo legal pela histeria coletiva — e continua sendo uma lição esquecida.


5. O Efeito Manada Contemporâneo: o Caso Conrado Paulino da Rosa

Trinta anos depois, o Brasil revive o mesmo dilema, agora em escala digital.
Em setembro de 2025, o advogado e ex-professor Conrado Paulino da Rosa foi preso temporariamente em Porto Alegre, acusado de crimes sexuais.
A partir da primeira denúncia, outras 13 mulheres apresentaram relatos de abusos ocorridos entre 2013 e 2025.

A repercussão foi imediata.
Matérias, manchetes e julgamentos virtuais tomaram conta das redes.
A prisão temporária foi revogada semanas depois, e o processo segue em segredo de justiça — mas o dano moral e reputacional já estava feito.

Não se trata de inocentar ou culpar.
Trata-se de entender como a multiplicação de denúncias pode ser tanto o despertar de um trauma coletivo quanto um contágio narrativo, em que memórias, emoções e manchetes se retroalimentam.

A justiça deve acolher, investigar e proteger — sem transformar a empatia em veredicto.


6. Quando a Justiça Vira Espelho da Manada

O efeito manada não atua apenas nas redes.
Ele se infiltra nas instituições.
Promotores, juízes e policiais são humanos e sofrem pressão da opinião pública, da mídia e de movimentos sociais legítimos, mas ruidosos.
Muitos temem o rótulo: “quem absolve é conivente”.

Mas justiça não é medo — é equilíbrio.
O processo penal deve proteger a vítima sem destruir o acusado antes da prova.
Quando o Estado cede ao clamor, perde a imparcialidade; quando o advogado cede, perde sua função civilizatória.


7. Quando o “movimento” se transforma em condenação antecipada

Em tempos recentes, fenômenos como o #MeToo global e seus desdobramentos nacionais trouxeram avanços inegáveis — deram voz a vítimas antes silenciadas.
Mas, como toda reação coletiva, também trouxeram excessos.
Em alguns casos, bastou uma denúncia nas redes para gerar “denúncias em série”, copiadas ou influenciadas pela primeira.

O problema não é o movimento em si, mas o modo como ele é instrumentalizado.
A justiça criminal precisa distinguir entre coragem coletiva e efeito manada midiático — o primeiro liberta, o segundo condena sem julgamento.


8. A multiplicação das acusações: coincidência ou contágio?

O jurista e filósofo francês René Girard chamou isso de “mecanismo do bode expiatório”:
quando a sociedade precisa purgar seus medos e culpas, escolhe um culpado e o sacrifica publicamente para restaurar a ordem simbólica.
Nas redes sociais e na opinião pública, isso acontece todos os dias — e o Direito Penal, se não vigiar, vira cúmplice do ritual.

Quando novas denúncias surgem após uma repercussão inicial, é preciso investigar cada caso isoladamente, sem presunção automática de veracidade.
A similitude dos relatos pode ser uma coincidência psicológica — ou um reflexo do contágio narrativo.
Só a prova material e o contraditório rompem essa cadeia.


9. O Outro Lado do Efeito Manada

O mesmo fenômeno que pode gerar condenações injustas também pode calar verdadeiras vítimas, especialmente em contextos machistas ou autoritários.
Quando a manada decide proteger o agressor — por conveniência, poder ou cultura —, a vítima é silenciada.
Portanto, o combate ao efeito manada não é negar denúncias, mas exigir que todas sejam apuradas com método, prova e prudência.


10. Conclusão: Justiça Não é Eco, é Análise

A advocacia criminal é o último reduto da razão em tempos de histeria.
Defender o devido processo legal não é proteger criminosos — é proteger a própria ideia de justiça.

Casos como Escola Base e Conrado Paulino da Rosa ensinam que a pressa em punir pode se tornar a pressa em errar.
A sociedade precisa de empatia, sim — mas também de racionalidade, serenidade e coragem para esperar a verdade.

O advogado criminalista caminha contra a manada.
E é justamente por isso que ele mantém viva a chama da Justiça.


👉 Prudente Advocacia Criminal reafirma sua missão de atuar com rigor técnico, ética e compromisso com os direitos fundamentais, defendendo tanto os inocentes injustamente acusados quanto a necessidade de responsabilização efetiva quando houver prova robusta de culpa.

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Neemias Moretti Prudente
⚖️ Advogado Criminalista.
📍 Mestre e Especialista em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia | Membro da Comissão da Advocacia Criminal e da Comissão de Apoio às Vítimas de Crimes da OAB/PR.
📚 Autor de “Introdução aos Fundamentos dos Crimes Sexuais: Teoria e Prática” e “Criminologia com Humor: Um Guia para Estudantes e Curiosos

Publicado por Factótum Cultural

Um amante do conhecimento, explorador inquieto e ousado, que compartilha ideias e expande consciências pelo vasto universo.